Restos de Colecção

27 de março de 2024

Eduardo da Fonseca - Músico e Armazém de Músicas

Eduardo da Fonseca (1863-1938) foi um professor de música, compositor e editor musical, natural do Porto, cidade onde fundou a casa editora de músicas "Armazem de Musica, pianos e outros instrumentos de Eduardo da Fonseca", na Praça de Carlos Alberto, n.º 8, no Porto. Recebeu as insígnias de Cavaleiro da Ordem Militar de N.ª S.ª da Conceição de Vila Viçosa em 1892 e da Ordem de S. Tiago da Espada. Foi sócio correspondente da "Societé des Auteurs et Compositeurs de Musique" de Paris e do "Centro Musical Paraense" no Brasil, membro da "Comissão Portuense de Música Sacra", consócio do "Orfeão Lusitano" e do "Grupo de Santa Cecília".


Eduardo da Fonseca (1863-1938)



Praça de Carlos Alberto (lado ocidental)


Praça de Carlos Alberto (lado oriental onde se localizava a casa Eduardo da Fonseca)

A casa editora de música mais antiga do Porto foi a "Villa Nova, Filhos & Comp.ª " (1850-188?) e fundada por Carmine Alário Villa Nova. A sua atividade deveria estender-se à revenda de partituras estrangeiras e comércio de instrumentos musicais, pois num anúncio inserido no "Mundo Elegante" de Fevereiro de 1860, Villa Nova menciona uma lista extensa de partituras vendidas no seu estabelecimento, a qual incluía edições estrangeiras e de outros editores nacionais. Possuía oficina litográfica própria. A sua actividade terminaria na década de oitenta do século XIX como "Viuva Alario Villa Nova, Editora".


Partitura editada pela "Villa Nova, Filhos & Comp.ª ", em 1858

Em 1876, estabelecia-se no Porto a "Costa Mesquita Casa Editora de Musicas", apresentando simultaneamente, no rodapé de imprensa das partituras, duas moradas, uma localizada na Rua D. Pedro 94-96 e, outra, na Rua Nova do Sá da Bandeira 194-196. A partir de 1882 abandona a primeira morada, passando a mencionar apenas a segunda e altera a razão social para «Costa Mesquita Casa Editora de Musicas», indicando oficina litográfica própria, onde passa a imprimir todas as suas edições. É neste segundo período que publica o periódico "Orpheon: Contribuições para a Litteratura Musical", publicação mensal, cujo redator era o músico e maestro Bernardo Valentim Moreira de Sá (1853-1924) que fundaria a casa de música "Casa Moreira de Sá" em 20 de Dezembro de 1900 na Rua de Santo António, no Porto. A actividade comercial da "Costa Mesquita Casa Editora de Musicas" terminaria em 1891 com a denominação de "Viuva Costa Mesquita".


20 de Dezembro de 1890

E seguindo a ordem cronológica - indicando só editores de partituras - , chegamos a Eduardo da Fonseca que se estabelece na Praça de Carlos Alberto, 8, no Porto em 1890 com o seu estabelecimento "Armazem de Musica, pianos e outros instrumentos de Eduardo da Fonseca".

Para além de professor e editor de música, folclorista e compositor de música sacra, foi também autor de várias peças para piano, como valsas, polkas etc., anunciadas como de meia força ao serem publicadas pela sua casa editora de músicas no Porto. 


22 de Novembro de 1889

5 de Março de 1890

As novidades musicais da sua casa editora de músicas anunciadas em 1892 incluíam já "A Portuguesa", a marcha patriótica de Alfredo Keil que está na origem do futuro "Hino Nacional". Uma outra edição anuncia a das "Cenas Portuguesas" n.º 1 a 3 de Viana da Mota (1868-1948). Entre outros autores de obras publicadas pela casa editora encontram-se Pedro Blanco, Júlio Moutinho, A. Soller, B. Gouveia, F. Roncagli, A. Viana, Mutz, Lowthian, A. Lobo, X. Lopes, N. Ribas e A. Ferreira.

Recordo que, Eduardo da Fonseca actuava como executante de violoncelo num concerto de Ciríaco Cardoso (1846-1900), no "Theatro Baquet" (1859-1888) na noite do seu incêndio em 21 de Março de 1888.

Colaborou no "Cancioneiro de Músicas Populares" de César das Neves e Gualdino de Campos (1847-1919), que obteve o Grande Diploma de Honra da Exposição da Imprensa de 1898. Foi autor da transcrição para canto e piano das "Poesias e Canções Populares" do concelho da Maia recolhidas por A. Monteiro e revistas por S. Rocha em 1900.


1891


1893


Uma curiosidade: Eduardo da Fonseca escreveu, em 1913, a música para a opereta em 2 actos, "A Vivandeira" sobre o texto de António Baptista Alves de Lemos. A curiosidade está no facto de Alves de Lemos (autor de vários libretos teatrais) ser o proprietário da "Farmácia Lemos & Filhos", também localizada na Praça Carlos Alberto, 31. É uma das farmácias mais antigas do Porto, fundada em 1780 pelos frades Carmelitas do Carmo., a quem pertenceu até 1801.




1908


1913


Em 21 de Junho de 1935, e no "Teatro Carlos Alberto", teve lugar um Sarau d'Arte comemorativo do XIII aniversário do "Orfeão Lusitano" em homenagem ao seu ilustre consócio e distinto musicólogo Professor Eduardo da Fonseca com direcção Artística do Professor Afonso Valentim. Foram oradores neste sarau o Dr. Bento Carqueja e o Eng. Osvaldo Maia. Actuaram, para além do "Orfeão Lusitano" dirigido por Afonso Valentim, o tenor Gastão Mineiro, que cantou obras de Eduardo da Fonseca, a violinista Maria Carolina da Silva e os pianistas Clotilde Lobo e César Augusto Ribeiro de Morais. 

Abril de 1930

Com a morte de Eduardo da Fonseca,  em 14 de Março de 1938, com 74 anos, terminaria a actividade da sua casa comercial, que funcionava já sob a razão social de "Eduardo da Fonseca & Filhos".

Bibliografia:

- "La edición musical en Portugal (1834-1900): un estudio documental" de Maria João Durães Albuquerque - Universidad Complutense de Madrid - Obtenção de Grau de Doutora em 2014.

24 de março de 2024

"Pateo das Arcas" - "Pateo das Comedias"

De acordo com um documento datado de 7 de Outubro de 1595, foi concedido à Misericórdia, responsável pela gestão do "Hospital de Todos os Santos", o privilégio de escolher os lugares para representação de comédias em Lisboa. Porém, já eram representadas na cidade num grande pátio situado na Rua das Arcas em 1582. Anos mais tarde, Díaz de la Torre mandou construir o "Pateo das Arcas", «entre a rua das Arquas que he a que vai do Rossio pella rua da Prasa da Palha pera São Nicolao, fiqua na entrada della, a parte esquerda, e entre o bequo das Comedias e o de Lopo Infante, o qual fiqua interior ao dito bequo das Comedias […], vem fazer frente tudo na freguesia de Santa Justa». Além do Pateo das Comedias "Pateo das Arcas", houve outros espaços teatrais, tais como o primeiro pateo de comedias, o "Pateo da Bitesga" (mais tarde apelidado de "Pateo da Mouraria" ou "Theatro da Mouraria" ) que já existia em 1591 e o "Pateo das Fangas da Farinha", fundado em 1619, por D. João Hiranço e Luiz de Castro.


Primitivo "Pateo das Arcas"




Reconstituição aproximada (pouco ...), na "Lisboa Antiga" construída por ocasião das "Festas da Cidade de Lisboa" de 1935 em São Bento, idealizado pelo olissipógrafo Gustavo Matos Sequeira

Excerto do contacto de arrendamento, em "A Nova Carta Chorographica de Portugal" de Antonio Jose de Avila, em 1909:

«(...) A saber que elles rendatarios, Luiz Trinité e João Yilla Nova serão obrigados a dar em cada um anno seis centos mil reis de aluguer pelo ditto Pateo ao dito Hospital, que serão pagos aos quartéis de tres em t.res meses, e que estes serão livres de todo o encargo que haja ou possa haver; e que o ditto Hospital não será obrigado a contribuir com cousa alguma alem do ditto Pateo, porque neste arrendamento só ó feito do que lhe pertence e é proprio, e que o ditto Hospital fica desobrigado de mandar fazer concertos ou reparos nos camarotes, seus telhados ou nos corredores dos mesmos camarotes, não só agora mas por todos os des annos deste arrendamento, antes elles rendatarios mandarão fazer á sua custa e despesa todos os repairos e concertos, que forem precisos no mesmo pateo, camarotes e seus telhados de sorte que tudo ande melhorado, isto tantas quantas vezes fôr preciso sem que o Hospital em tempo algum, nem no fim do arrendamento fique obrigado a lhe satisfazer, ...» in: "A Nova Carta Chorographica de Portugal" de Antonio Jose de Avila em 1909


Contrato de arrendamento de 1 de Agosto de 1737

O "Pateo das Arcas" foi assim descrito por Antonio de Sousa Bastos (1844-1911) no seu livro "Diccionario do Theatro Portuguez", de 1908:

«No cartório do Hospital de S. José só se encontra rendimento d'este pateo de 1601 em deante. Sabe-se que, por  escriptura de 31 de maio de 1593, Fernão Dias Latome comprou ao commendatior D. Diniz de Alencastre umas casas e quintal que possuia na praça da Palha e rua das Arcas. Esta compra foi para cumprir o contracto com o Hospital de Todos os Santos, em que, por escriptura de 9 de maio de 1591, se obrigou a construir dojs pateos em sitios convenientes.

Foi o primeiro o Pateo da Bitesga e o segundo o Pateo da rua das Arcas. Este contracto durou até 1698, em que o Hospital adquiriu a propriedade do pateo. Durou portanto mais de um século. A este pateo vinham frequentemente companhias hespanholas com actores notáveis. Também ali se representaram as notáveis comedias de Jacintho Cordeiro. Por documentos que existem no cartório do Hospital de S. José vê-se: que o Pateo das Arcas estivera por bastante tempo como propriedade dos frades do Carmo; que os prédios contiguos tinham janellas sobre o pateo; que havia assignaturas de camarotes; que o preço de cada camarote era de 320 réis; e que já n'aquelle tempo havia grande numero de borlistas. 


1622

O Pateo da rua das arcas ardeu a 10 de dezembro de 1697. Foi grande o incêndio, que devastou diversos prédios, causando prejuizos de mais de um milhão. O Hospital, para não perder os lucros que o pateo lhe dava, reedificou-o em melhores condições, começando de novo a funccionar em 12 de abril de 1700. Tinha o novo pateo 20 forçuras (camarotes) no primeiro andar, seis camarotes e assentos geraes com cinco degraus em roda de todo o pateo no segundo andar, 21 camarotes no terceiro andar e outros 21 no quarto andar. O local em que ficava este theatro era no sitio em que hoje está a rua Augusta, junto ao Rocio. Era ahi um largo com o nome de praça da Palha, que deu depois o nome á travessa da Palha, hoje rua dos Correeiros. Seguia até S. Nicolau com o nome de rua das Arcas. O theatro devia ficar, pouco mais ou menos, onde hoje está o segundo quarteirão da rua Augusta.

Até 1703 esteve o theatro arrendado a Manuel Rodrigues da Costa, que mandava vir as companhias por sua conta. Em 1704 deram-se alguns bailes e trabalhou a companhia de Domingos Laboana, que aqui morreu. Desde 1710 até 1725 foi  emprezario das companhias do Pateo das Arcas um tal José Ferrer. De 1726 3 1729 esteve uma companhia com os notáveis artistas Francisco de Castro e José Garcez. Estes artistas tinham percentagem nos lucros e, para aquelle tempo, os fabulosos ordenados de 90$000 e 45$000 réis. Apesar d'isso, o theatro vinha em grande decadência, a ponto de ter o Hospital de acabar com a exploração por causa dos prejuizos.

Esteve o Pateo das Arcas fechado até 1735, em que foi arrendado por nove annos a Francisco Luiz Valente pela quantia annual de 40$000 réis! Assim mesmo o contracto não foi cumprido e, em 1740 fez-se novo arrendamento com Luiz Trinité pela quantia de 600$000 réis annuaes.»


Evocação aos pátios de comédias de Lisboa do séc. XVIII, em 25 de Maio de 1946

O "CET - Centro de Estudos de Teatro" publicou no "Youtube" um belíssimo, e muito bem feito, vídeo com a reconstituição virtual (antes e após o incêndio) do "Pátio das Arcas de Lisboa" que aconselho a visitar no seguinte link: "Pátio das Arcas de Lisboa"

Do mesmo retirei os seguintes fotogramas, agradecendo desde já a possibilidade:

1ª Fase (1593-1697) - Antes do incêndio de 10 de Dezembro de 1697




Relativamente ao incêndio, o Códice "Memoria de algumas couzas que Sucederão começando no ano de 1680 por diante assim das calamidades dos tempos como das couzas do estado do Reino ...» por Manoel de Almeida (compilador do códice) descreve-o ...
«... neste proprio mes de Dezembro de 697 em tersa feira a noite 10'delle despois de se acabar de representar a comedia intitullada da Lama hidalga hermesura no pateo ou caza em que se representava publicamente que era a entrada da Rua das Arcas ouve o mais notavel incendio que virão os olhos humanos, e começando na dita Caza ou pateo das Comedias do qual não ficou nenhua pedra sobre outra, e athe as tres portas por donde se entrava se abrasarão finalmente tudo o que tocava a dita casa se fes em cinza mas ja não era tão grande a perda do pateo senão dera por mais de 10 ou 11 moradas de cazas a roda que foi acabar defronte da porta principal da Igreja de Santa Justa e esta tudo debaixo de telha, que toda a cidade estava clara , e eu na bica de Duarte bello donde morava estava vendo o clarão das ditas Labaredas as quais ainda forão muito maiores quando o fogo deu em adegas de vinhos agoa ardente azeites e manteigas, que fez a maior perda que se vio (...) e comecando pelas 6 oras da noite durou athe as onze ou mais e ainda no dia seguinte 4 feira 11 do dito mes pela manhã ardeo hua morada de cazas em concluzão (...) da origem deste fogo não se sabe athe agora a serteza por que hus dizem que foi posto outros que por descuido e cada hu falla o que lhe vem ao pensamento...»» 

O livro "Historia do Theatro Portuguez" de Theophilo Braga (1843-1924), de 1870 acrescentava:

«(...) Tem o sobredito pateo as suas entradas, a saber: uma porta está para o becco das Comedias á parte do sul, fazendo frente ao mesmo becco; e duas portas para a rua das Arcas, uma que serve de entrada para os camarotes das forçuras e tablado, e camarotes das senhoras e outra que também serve de entrada dos camarotes e communicação do pateo a qual porta faz um corredor na entrada, que sáe a um patim descoberto, do qual se sobe por uma escada de pedra . . . 
Tem de norte para sul, principiando da parede que está nas costas da vistoria até á porta por onde se entra para os assentos e forçuras, pelo meio 24 varas e meia; e de nascente para poente, pelo meio em cruz, tem 15 varas e quarta. Esta é a medição do comprimento e largura do Pateo em que se representam as Comedias, entrando n'ella as confrontações já declaradas do pateo o qual é pintado, com seus capiteis de madeira sobre os ditos pilares e varões de ferro, mostrando serem de pedra fingida. O snr. Nogueira extractou de escripturas conservadas no Archivo do Hospital de Sam José, estes preciosos documentos, que nos mostram inteiro o admirável theatro do Pateo das Arcas, que já existia no seculo XVI, que se distinguiu no seculo XVII, e que no século XVIII, até ao terrivel terremoto de 1755, foi o primeiro, o maior, o mais elegante e rendoso theatro de Lisboa. (...)

2ª Fase (1698-1755) - Após o incêndio de 10 de Dezembro de 1697






Quanto à cobrança do aluguer dos camarotes no "Pateo das Arcas" ...
«Os camarotes iam cobrar-se quase sempre a casa dos frequentadores. É pelo menos o que se conclui da verba do testamento de um dos donos do corro das Arcas (Manuel de Azevedo de Oliveira Botelho) feito em 1692. Neste documento, o testador recomenda aos herdeiros que conservem por cobrador dos camarotes que chamam frissuras um seu criado, chamada José Carreiro»


O arrendamento do Theatro do Pateo das Arcas acabou em 1742, em consequência da inexplicável Carta Regia. Que esta Carta foi motivada pelo immenso dominio da Opera italiana sobre o espirito do monarcha, basta citarmos as seguintes datas: que em 1739 occupava o Theatro da Rua dos Condes uma cpmpanhia italiana, onde cantara. Demetrio Il Velogeso e Merope e que essa mesnia companhia ainda aí estava em 1740 no mesmo theatro aonde cantou o Ciro riconusciuto. Confirma-se de mais a mais a nossa hypothese, porque no anno de 1753 foi construído o sumptuosissimo theatro régio dos Paços da Ribeira, que, como o Theatro do Pateo das Arcas cessaram de existir em 1755, arrasados pelo terremoto. 
Na Carta Regia de 28 de Janeiro de 1743 se estabelecia, que se sustaria a esmola de um conto e trezentos mil reis ao Hospital, "se continuarem nesta corte as ditas representações de comedias ou operas, ou qualquer outra similhante, etc.» Por esta condição se vê que já não bastava para ajuda do Hospital o rendimento dos seus privilégios, ou porque appareciam poucas companhias a requerer-lhe licença, ou porque o publico não concorria aos espectáculos em rasão dó alto preço que as companhias, oneradas com o privilegio, exigiam dos espectadores»

 

"Pátio das Comédias" in Museu de Lisboa

Quanto à pintura atrás publicada, a sua legenda original não está isenta de polémica. Em "O Teatro em Diálogo com a Lisboa Seiscentista" de Raquel Medina Cabeças (2022) as seguintes notas:

«O indevidamente chamado Pátio das Comédias” já tinha levado Castelo-Branco a interrogar-se sobre se a pintura corresponderia a um Pátio das Comédias apontando 1) a ausência de camarotes - segundo dados da época tinham camarotes que não constam nesta pintura; 2) a utilização de iluminação artificial - sendo um espetáculo noturno também não poderia ser um pátio de comédias, pois estas eram realizadas durante o dia. 
Descarta, pois, o modelo de pátio e sugere que a pintura possa corresponder a uma peça apresentada na casa de Luís Mendes de Elvas a propósito do aniversário de D. Afonso VI (1643-1683) - “Luís Mendes de Elvas, fez representar no jardim do seu Palácio um espectáculo teatral, que no facto de ser noturno e nos pormenores coincide com o quadro” – peça da qual se tem notícia pela sua descrição na edição de agosto de 1664 do Mercúrio Português. Curiosamente, o Conselheiro da Fazenda Real Luís Mendes de Elvas é proprietário de uma casa na rua das Arcas, contígua ao pátio das comédias em 1672.»

Por ouro lado, José Pedro Sousa volta a abordar este tema e com o auxílio da mesma descrição do Mercúrio de 1664 e um novo olhar sobre a tela, chega à conclusão que, embora existam dados que possam corroborar a análise feita pelo historiador Fernando Castelo-Branco Chaves (1926- ), existem outros que levam a crer que não se trata daquela representação teatral específica:

« (...) As características definidas para um espaço teatral público, com camarotes, com o chão da zona da plateia em terra ou em ladrilho, sem iluminação – por exemplo, a iluminação artificial do Pátio das Arcas não está documentada, mas referem-se a existências de janelas ou de frestas que permitiam a entrada de claridade nos corredores de acesso aos camarotes – com representações durante o dia e não durante a noite, e em espaços ao ar livre, é contraditória com esta pintura, onde é evidente a existência de velas e tochas para iluminar o cenário e o espaço, que aparenta ser coberto. Por fim, a porta representada do lado direito da pintura, que apresenta uma cortina que se assemelha a veludo vermelho, não encontra eco no modelo dos pátios, pois não há referência documental sobre a utilização de panejamentos nas portas de acesso aos pátios.» 

Voltando à história do "Pateo das Arcas" e recorrendo a outro livro, de 1896 e de Theophilo Braga intitulado "Historia da Litteratura Portugueza" ...

«Julga-se que ao Pateo da Bitesga também fora dada a denominação de Pateo da Mouraria. Não é bem averiguado qual fosse o Pateo segundo, contractado pela escriptura de 9 de Maio de 1591; temos que seria o Pateo das Arcas, embora já alluda a elle o Padre Balthazar Telles em 1588, e seria fixado em construcção de alvenaria e coberto, por que o seu primeiro emprezario foi Fernão Dias Latorre. Era este segundo Pateo situado na rua das Arcas, a qual ficava no segundo quarteirão da rua Augusta antes do terramoto de 1755. Os moradores da rua das Arcas não gostavam da visinhança do theatro sobre o qual davam as suas janellas, e lançaram-lhe fogo por 1697 a 1698. Por este accidente se vê a prolongada existência que disfructou o Pateo das Áreas, máo grado a "malevolencia dos visinhos que tinham janellas para o Pateo." A sorte deste theatro tinha de ser gloriosa; no século XVII, como veremos, levava a palma a todos os demais. O erudito cartorário do Hospital de S. José, José Maria António Nogueira, nos seus valiosos apontamentos julga ser este Pateo o que também apparece com o nome de Pateo da rua da Praça da Palha, situado na freguezia de Santa Justa, de que existem documentos de 1593. Isto justifica a sua construcção pela escriptura de Latorre em 1591. Continuaram estes Pateos no século XVII, e por Pateos e barracões do Bairro Alto, do Becco da Comedia, Pateo do Patriarcha e Salitre continuou a abrigar-se o theatro nacional, até 1836, em que se deu o seu renascimento iniciado por Garrett.» 


Gravura de Fernando Filipe 

fotos in: Biblioteca Nacional Digital

20 de março de 2024

Editora David Corazzi

David Augusto Corazzi (1845-1896), foi um editor ímpar. Fundou, em 1870, a sua "Empreza Horas Romanticas", que teve a sua sede e oficinas tipograficas na Rua da Atalaya 40-52, esquina com a Travessa da Espera, em Lisboa, e que viriam a ser, a partir de 16 de Setembro de 1886, as primeiras instalações dos "Moveis Olaio".

Primitivas instalações da "David Corazzi - Empreza Horas Romanticas", na Rua da Atalaya, já ocupadas pela "José Olaio" desde 1896.



Selo da "Casa Editora David Corazzi"

Aquando da sua morte, em 28 de Novembro de 1896 «vitimado por uma lesão cardíaca» a revista "Occidente" escrevia em tom de elogio fúnebre:

«Entre os homens de mais iniciativa em o nosso paiz, - poucos são elles valha a verdade - contava-se certamente David Corazzi, o grande editor, que durante dois lustros animou extraordinariamente o pequeno mercado litterario de Portugal, editando grande numero de livros, na maior parte traduções de romances de sensação com que popularisou a sua empreza das Horas Romanticas.
Horas Romanticas! Como este nome teve tanto em voga por um bom par d'annos e com elle o de David Corazzi, impresso em milhares de prospectos que se espalhavam por todo o paiz e pelo Brazil, annunciando e pedindo assignaturas para uma serie ineterrupta de publicações sucessivas, que se accomulavam desde as bibliothecas dos ricos até á modesta casa do pobre, onde talvez, o activo editor recrutava o maior numero de leitores para as sua edições. (...)»


David Corazzi (1845-1896)

David Corazzi nasceu em Lisboa, a 4 de Julho de 1845, era filho de D. Maria da Piedade da Costa Martins Corazzi e David António Caetano Corazzi (1799-1858) de origem italiana. O pai era médico-cirurgião formado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, médico distinto e autor do livro "Novo consultor Medico-Cirurgico". Aos 15 anos de idade ficou orfão de pai e com um pequeno património, de que aos 27 anos só lhe restava a propriedade intelectual do referido livro de seu pai. Foi com essa propriedade intelectual, que vendeu por 70$000 réis que constituiu a sua empresa editora, em 1870, a "Empreza Horas Romanticas" no meio dos seus amigos e colegas da Administração Central dos Correios de Lisboa, onde David trabalhava, e seu tio, seu tutor, era chefe de repartição.


1872

De seguida, Corazzi lançou-se na actividade editorial com a edição em folhas semanais dos então famosos romances franceses de Ponson du Terrail. Para a divulgação da publicação mandou imprimir prospectos em que anunciava as condições de assinatura. O primeiro livro que editou foi uma tradução de "Os Cavalleiros da Noite", em folhas, que o seu velho criado Thiago dobrava e distribuía pelos poucos assinantes «com dedicação de quem se interessava pelo bom resultado da empreza». Porém os resultados não foram animadores nem nesta primeira tentativa nem na segunda "Os herdeiro falsos".


O expediente da "Empreza Horas Romanticas", nascida e instalada numa pequena casa da antiga rua dos Calafates, hoje rua do Diario de Noticias, estava todo a seu cargo; o escritório era o seu quarto numa hospedaria na Travessa do Guarda-Mor. Conta-se que «nesse tempo, todo o amigo que fosse visitar D. Corazzi era obrigado a pagar uma pequena contribuição, dobrando umas tantas folhas e ajudando-o no expediente, o que todos faziam de boa vontade e com espírito despreocupado, que, em geral, dá a mocidade»



Segundo o livro "Chorographia moderna do reino de Portugal" de João Maria Baptista e João Justino Baptista de Oliveira, em 1874 existiam em Lisboa os seguintes estabelecimentos tipográficos :

« A Imprensa Nacional.

A Typographia da Academia Real das Sciencias.

A Typographia Universal do sr. Thomaz Quintino Antunes, na rua dos Calafates, onde se imprime o Diário de Noticias.

A Franco-Portugueza do sr. Lallemant, na rua do Thesouro Velho.

A Lisbonense (Diário Popular).

A do Jornal do Commercio.

A da Revolução de Setembro.

A do Diário Illustrado.

A das Horas Românticas.

A da Companhia dos caminhos de ferro portuguezes.

A de Castro irmão, na rua da Cruz de Pau.

A do sr. Sousa Neves, na rua da Atalaia.

A do sr. Mattos Moreira A C.*, no Rocio.

A do sr. Mattos, na rua Nova do Almada. »

Mas Corazzi não desanimou e a nova publicação do "Rei Maldito", de Fernandez y Gonzalez, traduzida por António Manuel da Cunha e Sá operou a viragem e projectando o seu nome e da sua "Empreza Horas Romanticas".


Depósito da "Casa Editora David Corazzi", na Rua dos Retrozeiros, em 1884


Descrição das instalações e actividades no catálogo de 1884


31 de Agosto de 1877


31 de Maio de 1878



Ambos os anúncio de 1881



Jornal "A Moda Illustrada" cuja publicação foi iniciada em 1881


1881

Durante o seu percurso, revelou-se um mestre e um pioneiro no uso de técnicas publicitárias, na capacidade de conquistar novos públicos e de abrir novas vias para a divulgação do livro, nomeadamente com a criação de colecções de cariz popular. Entre elas, a «Bibliotheca do Povo e das Escolas» foi a que maior impacto gerou. Era constituída por pequenos volumes de 64 páginas, a preço muito acessível e com tiragens que rondavam os milhares de exemplares, distribuídos localmente por uma rede de agentes em todo o país - os dezasseis números iniciais tiveram primeiras edições com tiragens iguais ou superiores a 10.000 exemplares, um facto extraordinário no panorama editorial português da época. Publicavam-se em séries de oito, em pequeno formato, existindo a intenção editorial de que o leitor encadernasse depois esses volumes em conjunto. Entre Fevereiro de 1881 e 1891, publica 196 volumes, que primeiro saem quinzenalmente, depois mensalmente. É este o seu período de maior impacto. A colecção continuará após a saída do seu mentor, até 1913, mas já com um ritmo irregular. «A “Bibliotheca do Povo e das Escolas”, até 1913, consumou a missão educativa e civilizadora e possibilitou a circulação de um corpus de conhecimentos científicos entre Portugal e Brasil.»




A partir do ano de 1913, o emigrante português Francisco Alves d'Oliveira decidiu comprar "A Editora" - sucessora da casa "Editora David Corazzi" do Rio de Janeiro - e dar continuidade à publicação dos livrinhos da "Bibliotheca do Povo e das Escolas". A sua comercialização no Brasil passaria a ser feita pela "Livraria Francisco Alves" - antiga "Livraria Clássica"  fundada, por seu tio, em 15 de Agosto de 1854 - ainda em actividade, actualmente.


"Livraria Francisco Alves" na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. É o próprio Francisco Alves à porta

Em 1882 decide-se a apostar no mercado brasileiro e disso dará conta a revista "Occidente" no seu artigo publicado em 11 de Junho de 1882 que passo a citar:
«O sr. David Corazzi um dos editores mais intelligentes, mais illustrados, e mais arrojados que Portugal tem hoje, e que allia todas as apreciaveis qualidades de um perfeito cavalheiro delicadissimo e brioso, com as d'um negociante laborioso e habil, vae tentar uma empreza corajosa, que estamos certos lhe dará os melhores resultados; explorar em grande escala o mercado literario do Brazil, fundadndo no Rio de Janeiro uma filial da sua acreditada e já importantissima casa editora.
O sr. José Maria de Mello, que vae encarregado de montar no Rio essa filial e de a dirigir, é um rapaz muito intelligente, muito activo a quem a Empreza Horas Romanticas deve, desde os seus principios, uma cooperação leal e solicita e que empregará agora todos os seus esforços para a fazer desenvolver e progredir rapidamente no Brazil.»

Apesar de alguma visibilidade anterior - a "Empreza Horas Romanticas" obteve, por exemplo, uma medalha de ouro na exposição portuguesa do Rio de Janeiro de 1879 - a estratégia para o mercado brasileiro adquiriu, em 1882, uma nova dinâmica, numa altura em que se pretendia, pelo menos legislativamente, diminuir o analfabetismo no país. 

E é no Rio de Janeiro que em Maio de 1884 sai, o primeiro número da revista "A Illustração" - Revista de Portugal e do Brazil (1884-1892) , editado e impresso em Paris. Acerca desta revista o site brasileiro "Scielo Brasil"  recorda:

« (...) Foi justamente o português Elísio Mendes, homem de negócios que vivia entre Lisboa e o Rio de Janeiro e um dos proprietários do jornal Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro, 1875), que decidiu explorar esse filão e lançar A Ilustração. Revista quinzenal para Portugal e Brasil, por aí antever boas possibilidades de lucros. Para tanto, ele dispunha, nos dois lados do Atlântico, de conhecimentos e contatos no mundo dos impressos periódicos e da circunstância de poder contar com um jovem correspondente do seu jornal em Paris, o também português Mariano Pina, a quem incumbiu de tratar dos ­aspectos editorais e literários do negócio, enquanto ele respondia pelos custos e pelas questões propriamente empresariais.
Em maio de 1884, veio a público o primeiro número da nova publicação, que, das máquinas do impressor francês, seguia para os porões dos navios que se dirigiam a Lisboa e ao Rio de Janeiro, onde estavam os leitores. A partir dessas cidades eram distribuídos, respectivamente, pela Casa David Corazzi, que desfrutava de prestígio no cenário lisboeta e respondia pela edição da Biblioteca do Povo e das Escolas e pelos Dicionários do Povo, coleções iniciadas em 1881 e que também eram vendidas no Brasil, pois a casa mantinha, desde 1882, sucursal na Corte, com sede na rua da Quitanda, n. 40, e pelo prestigioso matutino Gazeta de Notícias, o que é compreensível tendo em vista que um de seus donos era o idealizador e financiador da nova revista, ainda que essa informação nunca tenha sido divulgada aos leitores do jornal.»


Capa da revista e anuncio seguinte, ambos de 20 de Janeiro de 1887


«Os resultados d'esta succursal foram, durante certo tempo, magnificos e permitiram o largo desenvolvimento que as Horas Romanticas atingiu, até que, em 1884, David Corazzi passou a sua emprez a um syndicato que a tomou por duzentos contos de réis juntamente com a s officinas lytographicas de Justino guedes, e se formou então a actual Companhia Nacional Editora.» in: "Occidente".


"Cancioneiro Musical Portuguez" lançado em 1884


Quanto às novidades de 1884 ...


Ainda no século XIX, são muitas as obras que saem das tipografias de periódicos - "Panorama", "Gazeta de Portugal", "Commercio do Porto", etc. - outras são edições de autor, sem que tal se mencione, surgindo apenas o nome da tipografia. O que dificulta a reconstituição da sua história.

1888

1889

Em 1889 surge a "Companhia Nacional Editora" , fruto da aquisição da "Empreza Horas Romanticas" por parte da "Typographia" Guedes" de Justino Guedes (1852-1934), em Dezembro de 1888. Com esta aquisição, surge com novo nome: "Companhia Nacional Editora", com instalações ainda na Rua da Oliveira ao Carmo, passando pouco tempo depois, para o Largo do Conde Barão, 50 e oficinas na Rua da Rosa. Teve em Justino Guedes o seu sócio principal e administrador. Neste período Alfredo Roque Gameiro fica como responsável pela concepção e orientação gráfica da "Companhia Nacional Editora". Acerca desta empresa consultar a sua história, neste blog, clicando no seguinte link: "Companhia Nacional Editora".


"Companhia Nacional Editora" , no Conde Barão, no primeiro edifício à esquerda na foto

Entretanto David Corazzi retira-se do activo, em 1890, devido aos seus problemas de saúde, falecendo em 28 de Novembro de 1896. «Terminou o seu martyrio; a terrivel doença, que ha annos o atormentava, e que chegou, nos ultimos tempos, a leval-o ao desespero de um projecto de suicidio, teve hontem o seu desenlaçe: 9 horas da manhã entregou a alma a Deus.» in: "Diario Illustrado" de 29 de Novembro de 1896.

Neste mesmo ano de 1895 "José Olaio", fabricante de móveis e que viria a ter um enorme sucesso no mercado nacional com a empreza "José Olaio & C.ª (Filho), Lda." já com instalações em S. João da Talha (Sacavém), já estava instalado nas antigas instalações da "Editora David Corazzi" na rua da Atalaya, 42-50, (ver as primeira e última fotos deste artigo).


2 de Novembro de 1895


Primitivas instalações da "David Corazzi - Empreza Horas Romanticas", na Rua da Atalaya, em foto de 1968 (prédio de 2 andares à esquerda)

Termino este artigo retomando o artigo da revista "Occidente", de 28 de Novembro de 1896 (mesmo dia da sua morte) transcrevendo o seu último parágrafo:

«(...) Foi preciso muito trabalho e muito tino para levar a sua empreza ao estado florescente em que todos a conhecemos - as Horas Romanticas - e essa é a maior gloria do extincto editor, cuja perda todos lamentamos porque todos eramos seus amigos.»

Bibliografia:

"Educação e Difusão da Ciência em Portugal A “Bibliotheca do Povo e das Escolas” no Contexto das Edições Populares do Século XIX" - Dissertação de Mestrado de Olímpia de Jesus Bastos Mourato Nabo - Instituto Politécnico de Portalegre (2012)